Por Sílvio Bembem
Doutor em Ciências Sociais-Política (PUC/SP). Foi Secretário-Adjunto de Estado da Igualdade Racial no governo do Maranhão, Jackson Lago (2007-2009).
Em 13 de maio de 1888, foi declarada a abolição formal da escravidão dos africanos/as negros/as. Só em pensar do que foi esse período de mais de três séculos de exploração forçada, atrocidades e desumanidades, já causa profunda indignação.
Mas não é nenhuma novidade de que da Independência do Brasil do Império de Portugal (1822), a Abolição formal da escravidão (1888), a Proclamação da República (1889) e da promulgação da 1ª Constituição Republicana (1891), aos dias atuais, é a população negra a que ainda vive sem cidadania plena e necessitando de políticas públicas focadas para sua mobilidade social e ascensão aos postos, espaços de poder estratégicos, convencionados como pertencentes (ou capturados) a uma “elite”.
Por que insisto nesses temas da escravidão, do racismo, das desigualdades e concentração da riqueza? Por considerar serem as causas do grave problema no objetivo de o Brasil conseguir avançar numa dada democracia com mais integração da população negra e pobre, que é a maioria da base da pirâmide social da nação.
O legado da nossa formação social, colonizada, escravista, dependente, eurocêntrica, conservadora, elitista, branca e masculina tem que continuar sendo estudado no sentido de se entenderem as nossas desigualdades e poder superá-las. E é uma disputa renhida, dura.
Considero importante revisitar-se o Relatório do Plano de Ação, fruto da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância, realizada na África do Sul, em 2001 (período do governo de Fernando Henrique Cardoso, quando este reconheceu a existência de racismo no Brasil), muitas propostas foram aprovadas e tiveram o objetivo de propor e orientar políticas voltadas para o fim da discriminação e exclusão dos segmentos étnicos no mundo. Considero que uma dessas propostas do Plano de Durban tem tido um peso muito significativo, a do campo da educação, resultando na adoção das políticas de cotas para acesso ao ensino superior e que depois avançaram para Políticas de Ações Afirmativas, resultados também de lutas dos movimentos sociais negros, militantes, pesquisadores, intelectuais antirracistas.
Sem sobre de dúvida, é preciso que se continue lutando pela defesa de política de acesso à educação pública e de qualidade aos despossuídos de direitos mínimos na sociedade. Repito: é a população negra que, em maioria, continua excluída.
São muitos os indicadores sociais que apontam serem os negros e negras que estão em piores condições socioeconômicas e de sub-representações, seja no acesso à saúde, educação, emprego formal e renda, moradia digna, segurança seja no acesso ao poder.
E, nessa conjuntura da barbárie, com a gravíssima crise da pandemia da covid-19 (que tirou vidas de mais 660 mil pessoas), a crise econômica (com desemprego em massa), e consequentemente, o aumento da violência policial nas áreas periféricas (com o genocídio da juventude negra) e do feminicídio que está vitimando as mulheres (em sua maioria negras).
A percepção é que, com as muitas barbáries que vêm acontecendo no mundo, e fundamentalmente, o Racismo — que agora se reapresenta de forma explícita e não mais velada no Brasil (nos EUA, de certa forma, é encarado mais frontalmente, vide o assassinato, no dia 5 de maio de 2020, com requinte de tortura do negro George Floyd por policiais brancos e que inspirou lutas de protestos antirracistas e foi um fato que pautou o debate na disputa da eleição presidencial de Joe Biden versus Donald Trump em 2020). É preciso também lembrar que o Racismo Estrutural sempre existiu na sociedade. Segundo o pesquisador Sílvio Almeida, “o racismo é sempre estrutural, ou seja, ele é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade”. Principalmente nas teses do racismo científico, sobretudo, nos trabalhos do médico maranhense Raimundo Nina Rodrigues, radicado na Bahia, que, no final do século XIX, fez estudos raciais na área de medicina legal, focado na tese da inferioridade física e mental dos negros e mestiços no Brasil, associado às ideias do italiano Cesare Lombroso (médico psiquiatra, foi o principal fundador da Escola Positiva, ao lado de Enrico Ferri e Raffaele Garofalo, responsáveis por inaugurar a etapa científica da criminologia no final do século XX). Lombroso e Nina Rodrigues (e suas teses do crânio do criminoso) reforçaram a concepção do racismo científico e a discriminação racial (atribuição de tratamento diferenciado a membros de grupos racialmente identificados). Por isso penso que é preciso que os movimentos sociais antirracistas busquem certa unidade para se continuar lutando pelo direito de viver com respeito, dignidade e liberdade. Daí o tema de qual democracia ou governo queremos. Isso é fundamental. É preciso, ainda, estar atento ao processo eleitoral de 2022.
É fato que, a partir da década de 1990, houve uma sensível melhora do padrão distributivo no Brasil. E, no governo Lula, iniciado em 2003, avançou-se na implementação de políticas sociais de igualdade racial, criando-se oportunidades com ações exitosas, como a criação do 1º Ministério da Igualdade Racial na República; a elaboração do 1º Plano Nacional Brasil Quilombola (com o objetivo de dar visibilidade e buscar resolver os conflitos históricos dos descendentes de escravos, os nossos quilombolas); instalação do primeiro Conselho de Promoção da Igualdade Racial, realização da 1ª e 2ª Conferências Nacional de Igualdade Racial; cooperação internacional com a África; implementação de políticas de ações afirmativas, tendo por objetivo as cotas, e o programa Universidade para Todos; a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial (apesar de críticas do movimento negro quando trata das terras de remanescentes de quilombo, art. 68 da CF/88); aprovação da Lei 10.639/2003 e 11.645/2008 (com objetivo de discutir a história dos afrodescendentes e indígenas nos currículos escolares); indicação do 1º ministro negro para cargo no STF, Joaquim Barbosa; o aumento de negros ocupando cargos estratégicos em órgãos do Governo Federal.
Na Educação, com o Programa Universidade Para Todos (PROUNI) e a expansão universitária das Instituições Federal de Ensino Superior (IFES), houve um aumento considerável de negros(as) com acesso aos cursos superiores, o que influencia diretamente na melhoria do acesso ao posto de trabalho e melhor renda e, consequentemente, na qualidade de vida.
Na Educação, com o Programa Universidade Para Todos (PROUNI) e a expansão universitária das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), houve um aumento considerável de negros (as) com acesso aos cursos superiores, o que influencia diretamente na melhoria do acesso aos postos de trabalhos e melhor renda, com consequentemente melhoria na qualidade de vida.
Na conjuntura, o que se observa é a pouca importância dispensada pelo atual desgoverno do autoritário e irresponsável Bolsonaro, ao fortalecimento das políticas de combate às desigualdades, ao contrário, havendo sua extinção, com a negação da ciência, desvalorização de cientistas e pesquisadores assim fazendo um movimento na contramão do que aconteceu nos governos Lula e Dilma. O que se assiste é o Governo Federal inerte, na verdade, o desgoverno é a própria barbárie. Vivencia-se uma situação de completa incompetência política e de gestão, vide a crise da pandemia e econômica, que está causando a elevada taxa de inflação que bate recorde, e mais exclusão das populações mais pobres, e o desalento e desencanto dos jovens com o Brasil.
Nesse sentido, para o movimento social negro (este que tem o protagonismo na luta contra o racismo) fica aqui o seguinte desafio: ou se participa ativamente da política, organizando-se e lutando-se de forma unificada, do contrário, as desigualdades raciais e a exclusão continuam.
E uma boa estratégia pode ser reviver Palmares de novo, inspirados na luta de Zumbi do Palmares, no sentido de mitigar as desigualdades raciais e sociais, sabendo que a democracia brasileira só vai se realizar se tiver a representação de todos os setores da sociedade na estrutura do poder político e econômico. Logo isso não será dado, e, sim, conquistado com projeto de poder, com muita luta, disputa; mas sem romantismo social, ingenuidade e ilusão.