Em seu último livro, intitulado “Crítica da Razão Negra”, o escritor e cientista político camaronês – Achille Mbembe, afirma que o mundo ocidental vive hoje, um verdadeiro estado de sítio. Segundo ele, “…depois do 11 de setembro, o mundo entrou num momento muito específico, que pode ser chamado de ‘estado de sítio’: uma série de garantias jurídicas fundamentais que permitiam assegurar a nossa segurança e a nossa liberdade foi posta em causa, de forma explícita ou indireta. O ‘Acto Patriota’ é um exemplo concreto da revogação das liberdades. A exceção tornou-se norma…” Embora seu livro tenha como tema central os novos desafios postos para a humanidade, no enfrentamento da questão racial no mundo e em particular no ocidente, seu raciocínio aplica-se como uma luva na quadra que estamos vivendo no Brasil. Senão, vejamos: Após as manifestações de junho do ano passado, realizadas pela juventude brasileira, quando foram postos em cheque, tanto o modo conservador de se fazer política no país, bem como a péssima qualidade dos seus serviços públicos, notadamente nas áreas da educação, transporte e saúde, uma parte do Congresso Nacional, aliado a grande mídia e aos setores conservadores da sociedade, têm insistentemente buscado criminalizar não só àquelas manifestações, como os próprios manifestantes, num claro caminho para a revogação do direito constitucional da liberdade de expressão da população. Com o lamentável episódio da morte do cinegrafista Santiago Andrade, da Rede Bandeirantes de televisão, provocada pela irresponsabilidade dos auto denominados Black Blocks, alimentados por uma estranha rede de cumplicidades até então não devidamente identificadas, esta sanha veio a tona com toda a força. É claro, que ninguém, em sã consciência pode concordar com o fato ocorrido e neste sentido temos um enorme arcabouço legal para punir exemplarmente os autores deste homicídio. Mas, daí, a considerar, como fez o vice-presidente do Senado da República, Senador Jorge Viana, em pronunciamento da tribuna do senado, de que o crime cometido contra o cinegrafista, era um ato terrorista e como tal deveria ser tratado, vai uma distância muito grande. Ao que tudo indica, em nome do combate a violência nas manifestações está sendo articulando um poderoso movimento de cerceamento das liberdades democráticas tão duramente conquistadas, em passado recente, no país. Aliados a este movimento reacionário e conservador, estão associados ou embutidos, não apenas os interesses dos saudosistas da ditadura, como também o forte interesse da Fifa em impedir que ocorram manifestações de protestos no período da Copa do Mundo, que será realizada no país, no próximo mês de junho. Aliás, não foi à toa, que o próprio presidente da Fifa – Sr. Joseph Blatter, afirmou recentemente, em entrevista, de que seria muito melhor que a realização da Copa ocorresse num país onde não houvesse tantas liberdades democráticas, como o Brasil. Para que os leitores tenham idéia do absurdo que estão querendo perpetrar contra a sociedade, por meio deste verdadeiro presente de grego, a redação proposta no Projeto de Lei, que ora tramita no Senado Federal, qualifica o terrorismo como tudo que venha a: “Provocar ou difundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoas”. Mais ainda, a pena de reclusão para quem for enquadrado neste artigo será 15 a 30 anos de reclusão. Ou seja, isto não é uma lei e sim uma ameaça, uma grave ameaça conforme afirmou o Senador Cristóvam Buarque, em pronunciamento contundente, também no Senado. O mais lamentável, em todo este episódio, é que são os representantes do povo, eleito pelo povo, em princípio para defender e representar seus interesses, que voltam-se contra o próprio povo, na defesa de interesses inconfessáveis. Em vez de responderem com ações concretas para o atendimento das justas reivindicações que continuam na ordem do dia da população, causando transtornos, constrangimentos e indignações, o Congresso Nacional, caso não seja contestado, estará prestes a promover um dos maiores retrocessos na legislação democrática brasileira. Enfim, como a esperança é a última que morre, tenho a firme esperança de que o bom senso e a mobilização democrática não permitirão que em nome da segurança e da democracia, seja promulgado um novo “Acto Patriota” tupiniquim. Axé “Toca a zabumba que a terra é nossa”
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Autor: Zulu Araujo
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