Ivanilda Matias* Chegou julho, as batidas do coração são como os tambores da liberdade é hora da comunidade negra celebrar 25 de julho – O Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha. Sensível e consciente do que representa esse momento para meu povo, resolvi fazer um resumo sobre minha história de vida e de luta, já que nessa data que é uma referência internacional da luta e resistência da mulher negra contra a opressão de gênero, o racismo, o preconceito e a exploração de classe, um pequeno memorial. Toda pessoa afrodescendente residente no Brasil conhece a força da opressão em trezentos e oitenta e oito anos de escravidão. A minha história pessoal é a história do meu povo, permeada de resistência e perseverança nas lutas gerais por independência, nacionalidade e democracia, denunciando os tratamentos cruéis, desumanos e degradantes e anunciando politicas de promoção da igualdade com o respeito às diferenças étnicas e culturais. Mesmo após a criação da data em tela me pergunto o que realmente mudou aonde me encaixo nesse processo e o que posso ressaltar em cada marco da história. O povo negro conhece a exclusão politica de não ter direito a ter direitos, mesmo quando ainda era considerado necessário à economia nos tempos de escravidão, a exclusão educacional quando mesmo obtido a igualdade formal não consegue acessar e terminar o ensino médio e a educação superior, precisando lutar com ações afirmativas para alterar os dados da desigualdade social no país. Se ontem não votava e não entrava na escola básica, hoje, mesmo ainda com muitas dificuldades, pode chegar ao ensino superior, exercer um cargo público de Ministra de Estado, de Senador, de Reitor e de educador. Ao assumir diversos cargos ao longo da minha trajetória profissional continuo lutando contra todas as formas de exclusão social, ainda sou vítima da escravidão, quando sou lembrada apenas para o trabalho braçal, ou mesmo, quando em cargos de direção tenha que provar diariamente, que sou mulher negra e capaz. Como mulher negra, para ser vista ou lembrada, na minha opinião, tem que está dentro dos padrões mercadológicos de sensualidade, beleza, como se a nossa sociedade não fosse diversa nas culturas e nos povos que nela entraram para formar a nacionalidade brasileira. Quando a diversidade negra é lembrada como novo padrão de consumo, já que somos mais da metade de consumidores brasileiros, começamos a ser lembrados e reconhecidos, mesmo a Constituição de 1988 já tenha afirmado que o racismo é um crime contra a pessoa. Se não somos reconhecidos e presentes na nossa diversidade étnica nos livros didáticos e paradidáticos, se ocupamos apenas as páginas policiais, se os nossos templos e práticas tradicionais religiosas são objetos de humilhação e violência, se por sermos negros não podemos dirigir um carro importado e somos abordados como suspeitos, e se continuamos preenchendo os índices de violência e prisão; é porque ainda há muito que lutar e reconstruir no nosso país. Como chegar ao final da escada ou da estrada da vida, sem ter que todo dia que comprovar que o mérito está acima da dignidade humana? Sou uma lutadora da dignidade humana, do reconhecimento da mulher negra, nunca esperei que alguém mim achasse linda, eu simplesmente, me acho, bela, linda e empoderada. Recatada e do lar, jamais, sou da luta, sou desbravadora das causas sociais, ocupei funções com a nobreza de um ser humano, com a competência de uma gestora, enfrentei o preconceito e a discriminação sem baixar a cabeça ou rebater no mesmo nível de violência. Desde adolescência, já lutava com maestria contra o preconceito, sem perder a dignidade e o respeito. Episódios ocorridos, ao chegar a Universidade, me fazem recordar de atitudes tomadas, sem fazer a ligação entre o preconceito e a discriminação. Várias são as formas de manifestações de violência física e simbólica nas instituições de ensino, desde a padronização de beleza, financeira e intelectual. Ter um nome, uma nacionalidade, uma família, poder manifestar-se através de diversos padrões estéticos no modo de ser e agir, ainda são fontes de mal estar e humilhação social. Quando o outro não nos ver na nossa dimensão humana que é a dignidade e na nossa diversidade étnica, gera processos de padronização e homogeneização impondo uma dominação estética e linguística, impedindo de Sermos Mais Gente. Nesse sentido, as práticas racistas, xenófobas e de intolerância contribui para dividir o mundo em preto e branco, sem enxergar que o vermelho, o amarelo e o verde amplia nossa visão dos povos. Lembro-me de um fato que posso compartilhar com meus leitores, foi o seguinte: Um rapaz louro de olhos claro achou de se interessar por minha pessoa, ao tomar conhecimento, achei engraçado e nada mais. Más, a colega que trouxe a informação também disse: Maria dos anzóis Pereira (para não dizer o nome real da colega) está falando de você, por que Carlos está te paquerando, ela está dizendo“O que ele viu nessa negra, ele devia era olhar para mim sou linda e branca” ao saber disso, a minha reação naturalmente foi vou falar com ele e informar o interesse da colega, ele não faz o meu tipo. Hoje, acho que com tal atitude, já demonstrei minta autoconfiança ao não me sentir inferior, pois Conversei educadamente com a colega e disse: sou mulher igual a você, a nossa diferença está na cor da pele e na beleza que mim é singular. Você não tem o meu sorriso e nem o meu lindo e afetuoso olhar, sei amar, sei falar, assim como acho que tu também sabes, mas acredite, a minha forma de amar diferencia da sua e entre outras coisas que sei fazer, nos tornar iguais de oportunidades mesmo com essas diferenças. Por isto, quando alguém pergunta: você sofreu muito preconceito? Respondo: Sim, mais nunca me permiti sofrer por tal discriminação, casos dessas naturezas quando ocorriam ou ocorre, enfrentei ou enfrento, porém, de forma politica, pois nunca deixei de demonstrar minha indignação, dizendo: não precisa me amar, apenas respeite o meu jeito diferente de ser. Naquele tempo, nunca tinha lido algo sobre a luta e resistência da população negra, nunca nem pensei o que foi martírio da escravidão. Pois, a história ensinada em sala de aula, desde as primeiras fases de estudo se pregava as graças a Princesa Isabel por nós negros e negras alcançar a liberdade jurídica, fomos alforriados em 13 de maio de 1888, mas esqueceram de que sem terra, trabalho e educação permaneceríamos prolongando a escravidão e com ela a servidão. Como nossas mestras, que sabiam de tudo, que eram nossa referência no conhecimento, não era capaz de perceber o tamanho da desigualdade social? Bem, hoje reconheço que a forma como enfrentei alguns atos de preconceito, pode ter sido por ser uma criança que falava muito e participava das atividades escolares, seja recitando poesia nas festividades ou organizando eventos, sendo sempre o centro das atenções, era “aceita” pelos colegas e isso contribuiu em muito para que não se tornasse apenas mais uma vítima da discriminação racial e social. Esqueceram na escola de falar das lideranças negras nas lutas por independência como da experiência pioneira do Haiti e das lutas e rebeliões por liberdade, independência e abolição da escravidão no Brasil. Na história geral tratam de forma aligeirada de história de Martin Luther king pela defesa dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, assim como de Nelson Rolihlahla Mandela na África do Sul, que lutou contra o sistema de apartheid no país. Desconhecemos nossos lutadores, nossos livros não reconhecem a contribuição das lideranças negras presentes em revoltas e revoluções como Cabanagem, Quebra Quilos, revolta dos Malês, Revolução Pernambucana, dentre outras; poucos estudos abordam a atuação dos escravos libertos no movimento sindical no final do século XIX e XX. Muito menos deDandara, capoerista, uma guerreira negra, mulher de zumbi que lutou em defesa do quilombo dos Palmares. Sem falar em Tereza de Benguela que liderou o quilombo de Quariterê após a morte do seu marido e se destacou com a criação de uma espécie de Parlamento e de um sistema de defesa. Sem esses referenciais e sem ídolos, sobrevivi o preconceito e a discriminação, seja por questões de gênero, classe social e etnia, hoje estou aqui, falando de uma forma serena da exclusão sofrida por nós mulheres negras sem distinção. Ora, eu não tinha nenhuma referência naquele tempo, tive uma educação voltada unicamente a enaltecer a cultura embranquecida européia, quando se falava mulheres negras, a história só narrava elas na senzala, servindo na casa grande, ou sendo assediada pelos sinhozinhos ou disputadas pelos escravos que muitas vezes elas os rejeitavam segundo os contos históricos. Imagina o que é crescer sem uma referência, sem um ídolo da sua cor, não sendo ninguém, sendo mais uma negra sem as devidas condições econômicas e sociais. Cresci e não sei como, incorporei uma personalidade bem diferente, de luta, de garra, as vezes até parece autoritária de tanto não permitir que não me digam o que fazer, mais na realidade sou uma mulher negra, que sente na pele o mau da exclusão, da indiferença, da rejeição, mais de cabeça erguida, busco sempre uma jeito de contestar essa abominação. Avançamos mulher, na luta sem dominação, Neste 25 de Julho, um viva a todas mulheres negras que nos antecederam que se evidenciaram na luta e conquista, como também, ao empoderamento da Mulher Negra Brasileira, e que juntas melhoremos a nossa condição.
* Assistente Social, Professora de Serviço Social, especialização em Educação Profissional e em Movimentos Sociais, Secretária Estadual da NSB/PB e Secretária Nacional de Mulheres Negras do PSB.
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Autor: Ivanilda Matias
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