Com cada vez mais universidades adotando o sistema, é essencial falar sobre o assunto com os alunos
A maioria da população brasileira é contra as cotas raciais. Pelo menos é o que diz uma pesquisa realizada pela agência Hello Research, no ano passado, e divulgada pelo portal G1. Segundo o levantamento, apenas 42% dos entrevistados dizem concordar com a reserva de parte das vagas em universidades públicas para pretos, pardos e indígenas.
Apesar da polêmica, o sistema já se tornou uma realidade no Brasil. A primeira a adotar esse modelo foi a Universidade de Brasília (UnB), em 2004. Mais tarde, em 2012, a política virou lei federal e puxou a tendência. Até que, neste ano, o assunto voltou ao centro das atenções com o anúncio de que a USP e a Unicamp, duas das maiores instituições de Ensino Superior do país, também vão introduzir a política. Na USP, ela começa a valer em 2018. Na Unicamp, só em 2019.
O fato é que esse tema está presente nas discussões do dia a dia e, certamente, já deve ter entrado na sua sala de aula – principalmente se sua turma já pensa no vestibular. Por isso, NOVA ESCOLA traz sugestões para você, professor, proporcionar um diálogo sobre o assunto e fazer com que os estudantes aprendam com ele.
1. Abra espaço para o debate sadio
Na opinião de educadores e militantes ligados ao movimento negro, vale a pena investir tempo de aula para discutir a questão. “Não é fácil falar de cotas. É um tema que suscita muitos conflitos, mexe com a identidade dos alunos e gera uma disputa de espaço, mas o educador tem que estar disponível para esse debate”, defende Lorene dos Santos, doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professora da PUC-MG.
Juarez Xavier, docente da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Coordenador do Núcleo Negro da instituição, ressalta que a abordagem ajuda a abrir possibilidades aos estudantes: “Uma parte significativa da população, especialmente nas escolas públicas, não sabe que pode ingressar gratuitamente nas melhores faculdades”.
No entanto, é importante ter cuidado com o tom da conversa. Troca de acusações e desrespeito às opiniões não podem prosperar. Também não é adequado punir ou censurar um aluno que, eventualmente, reproduza algum preconceito. “A escola deve se colocar como um lugar que contribua para uma mudança de postura. É preciso levar em conta que alguns alunos trazem de outros ambientes ideias e práticas racistas, e precisam se reeducar”, diz Lorene.
“Os alunos precisam ser motivados a fazer um exercício de empatia. O aluno branco, de classe média alta e de escola particular, pode se perguntar: ‘E se fosse comigo? E se eu fosse um jovem negro da periferia? Como eu iria pensar?”, propõe Cátia Luciana Pereira, professora do Colégio Bandeirantes, que atende uma clientela de alto poder aquisitivo em São Paulo.
2. Não se esqueça do racismo
Faz mais sentido debater cotas se a questão de fundo, que é a razão de ser das chamadas ações afirmativas, for abordada adequadamente. Por isso, o racismo faz parte da discussão.
Juliano Custódio Sobrinho, professor de Ensino de História da Universidade Nove de Julho (Uninove), sugere que o educador apresente pesquisas e estatísticas que demonstrem os problemas que a população negra enfrenta no Brasil. “Apesar de nunca termos vivido sob uma política de segregação oficial como o Apartheid, na África do Sul, temos uma sociedade com enormes abismos sociais entre as raças”, explica.
Segundo Juliano, o professor pode contrastar algumas ideias cristalizadas, como a de que não existe racismo no país, com diversos dados. O primeiro deles, que tem relação direta com a política de cotas, é o acesso à universidade. Segundo estes números do IBGE, apenas 12,8% dos jovens negros de 18 a 24 anos haviam chegado ao nível superior em 2015. Entre os brancos de mesma faixa etária, a taxa era de 26,5%.
Mais números: entre o 1% mais rico da população, apenas 17,8% são negros, enquanto 82,2% são brancos. Estes dados do IBGE mostram também que, entre os mais pobres, 75% são pretos ou pardos.
Os negros também são as maiores vítimas de homicídio. Segundo dados do Atlas da Violência de 2017, a cada cem pessoas assassinadas no Brasil, 71 são pretas ou pardas, enquanto 29 são brancas.
“Essas e outras pesquisas que analisam, por exemplo, a população carcerária, o acesso à água tratada, a expectativa de vida e a mortalidade infantil, comprovam que a população negra vive em uma situação desvantajosa, que resulta da ausência de políticas pós-abolição, em 1888. Os dados mostram que o racismo não é só piadinha”, diz Lorene, da PUC-MG.
A professora Cátia sugere também levantar algumas perguntas, como, por exemplo, por que poucos negros ocupam cargos de chefia.
Dados e questões como essas ajudam a compreender o caráter reparatório das políticas de cotas, defendido por vários movimentos sociais.
3. Faça conexões com a história e a cultura afrobrasileiras
Desde 2003, a lei federal 10.639/03 tornou obrigatório o ensino de História da África e da cultura negra brasileira, e esse conteúdo que já faz parte do currículo pode auxiliar a contextualização das cotas raciais no Brasil.
Cátia, do Colégio Bandeirantes, observa que esses conceitos podem aparecer em diversas disciplinas, como a própria História, mas também em Língua Portuguesa e Geografia, e proporcionar uma visão mais ampla sobre aspectos da trajetória dos negros no Brasil. “Temas como a abolição da escravatura, a formação urbana de cidades como o Rio de Janeiro, cujos morros abrigaram desde cedo a população que ficou desamparada depois da Lei Áurea, oferecem bons ganchos para discutir a questão das cotas”, recomenda Cátia.
Referência: https://novaescola.org.br