Por Denise Paiva
Grandes emoções perduram… Ainda embriagada da alegria pelos novos tempos que se avizinham rabisquei algumas linhas de argumento para um filme que faz algum tempo sonhava sobre a Solidariedade Brasil X Moçambique nos anos de chumbo.
Sonho, sonhado e adiado pela impossibilidade de concretizar, mesmo que em arte, na era Bolsonaro, algum enredo que trouxesse um olhar positivo sobre os valores socialistas, a solidariedade internacional, as utopias do comunismo e mesmo a visão mundial do iluminismo francês: liberdade, igualdade e fraternidade.
Mas o tempo ajudou e fomos maturando, matutando, proseando, encontrando antigos companheiros e camaradas, chorando algumas perdas com o Pedrão Chaves.
Essa ideia, não sei bem qual seria o nome do filme me fez fortalecer laços e lembranças das mais singelas, prazerosas e por não dizer carregadas de saudades mas sobretudo de felicidade.
Assim, foi conversar com Capi e Janete num barco no Rio Amazonas, lembrar do Camilo ainda pixote enquanto tomávamos sol nas praias quentes do Indico, eu, ao lado de Geninho, grávida de Leticia.
Ri muito com o grande e eterno amigo Elimar sobre o teatro que ele organizou para que pudéssemos destruir não só as ditaduras da América Latina mas também a hipocrisia do imperialismo. Nesse teatro vesti a personagem do herói da Nicarágua, vestida de homem, ainda ouço a voz do locutor: Sandino tirou as botas! Simbolicamente conseguimos, brasileiros e moçambicanos destruir a imagem dúbia do imperialismo, uma face sedutora e a outra monstruosa, a boneca de gesso, foi destruída no palco enquanto todos, personagens e plateia cantavam “Apesar de você”, do imortal Chico Buarque.
Com Paulo Speller lembrei todas as histórias no nosso trabalho na Diretoria de Formação de Quadros do Ministério Saúde. Compartilhamos o mesmo espaço físico com companheiros do Chile. Ele na coordenação do Agentes Polivalentes Elementares a reedição dos Médicos Pés descalços da China que também inspirou o vitorioso Agentes Comunitários no Brasil.
Recentemente com Regina Zappa tive um encontro muito esperado para relembrar seu pai, amigo, grande intelectual, o inesquecível embaixador Italo Zappa, protetor dos exilados e socialistas.
A cada contato nesses últimos anos, muita emoção e laços de amizades sendo reconstruídos como fossem de agora.
A vida em Maputo era muito festeira, solidária, gregária. Todos os dias, os brasileiros ligados ao Partidão, os que estavam lá trabalhando em vários ministérios sob o abrigo e o comando do acordo entre a FRELIMO e o Partido Comunista Brasileiro, se encontravam. Todos os dias, sim…. não é metáfora, era realidade.
Na casa da Flávia e Gugu Caccia Bava tinha o macarrão a carbonara, na de Jaime e Iara Brayner comida nordestina, Neusa e Ivo Valente nas peixadas, eu era boa na feijoada e tinha um ajudante Júlio Vilanculos que era melhor ainda como cozinheiro.
Mas o mais constante eram as amejoas ao bafo acompanhadas de cerveja. Sempre no grupo Arabela Pereira, Suzuki, Pedrão, Gurgel, Chasin e Ana, só para recordar. Aos domingos às vezes íamos todos para o Hotel Polana ou também em turma para a praia quando não tínhamos trabalho voluntário na Aldeia Comunal Luiz Carlos Prestes.
Mas compartilhar mesa farta era uma gentileza que ia além dos quadros do PCB, era uma cultura dos nativos e dos demais cooperantes. Foi um tempo de alegria e partilha.
Tivemos também momentos de muita escassez. E nesses momentos a solidariedade era espantosa. Ninguém que conseguia comprar uma carne não a compartilhava com os demais “camaradas.”
Tempos de amizade, partilha, união, e sobretudo de crença e esperança no socialismo e na transformação social.Emoção que me fez sentir recentemente Mia Couto: ‘Saudades dos tempos em que nos conhecemos e que pensávamos que era fácil mudar o mundo”