Por Sílvio Bembem
Doutor em Ciências Sociais-Política (PUC-SP). Foi Secretário-Adjunto de Estado da Igualdade Racial no Governo do Maranhão, Jackson Lago (2007-2009).
“Eu vivo sem saber até quando ainda estou vivo, sem saber o calibre do perigo; eu não sei de onde vem o tiro…”
Trecho da música CALIBRE, da banda Paralamas do Sucesso.
Estamos diante de grande barbárie no Brasil, com muitas pessoas de pele negra sendo torturadas e mortas pela força policial institucionalizada (o braço do Estado). É o genocídio da população negra e pobre.
Mais um homicídio, agora do negro Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos de idade, na cidade de Umbaúba, no litoral sul de Sergipe, por policiais rodoviários federais (PRF). A ação policial de 25 de maio de 2022, com nítidas características de tortura, nos traz a trágica lembrança do caso de George Floyd, em 5 maio de 2020, morto cruelmente pelo Estado, tendo o policial branco Derek Chauvin ido a júri popular, que o condenou a 22 anos e meio de prisão. Mas tal desfecho nos tribunais foi fruto de grandes mobilizações desencadeadas nos EUA e no mundo, contra o racismo e a violência policial, com o slogan Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). O policial, antes do julgamento, foi afastado e denunciado pelo Ministério Público norte-americano, que havia pedido 30 anos de condenação, sob fundamento de que o agente havia agido com requinte de crueldade, enquanto estava investido de uma posição de autoridade.
Agora, acompanhamos, estupefatos, a tortura seguida de morte, também com requintes de crueldade, de Genival Santos, com imagens gravadas por aparelhos celulares, por populares, inclusive, familiares — testemunhas vivas. Segundo laudo do IML (Instituto Médico Legal), a causa da morte foi “insuficiência respiratória aguda secundária e asfixia”.
A crueldade e frieza dos agentes nos remetem à experiência nazista da asfixia de judeus e ciganos nas “vans de gás” — caminhões hermeticamente fechados com o escapamento voltado para o compartimento interior do veículo. Tal “método” de extermínio passou a ser adotado, em 1941, pelos alemães, após as reclamações das tropas de fuzilamento reclamarem da fadiga, bem como pelo fator econômico.
No ano seguinte, o extermínio em massa de seres humanos seria praticado em câmaras fixas de gás na Polônia, com monóxido de carbono e, posteriormente, com o gás Zyklon B – usado como defensivo agrícola.
No caso de Genival dos Santos, foi utilizado gás lacrimogênio (crime gravíssimo), composto pelo gás CS (2-clorobenzilideno malononitrilo). O uso do artifício para dispersar manifestantes é combatido por organizações internacionais como a Physicians for Human Rights, Facing Tear Gas e Anistia Internacional, que defendem o seu enquadramento como arma química.
Num cenário que se avizinha de guerra química mundial, causa indignação, além da morte de mais um cidadão brasileiro, o uso de arma química, que pode se configurar como conduta nazista de extermínio.
A cada dia, faz-se mais necessário reformular todo o procedimento de abordagem e operação das forças policiais no Brasil. Não é possível a ação policial se basear em critérios de status e não ter como prioridade a preservação da vida. Se vivemos num Estado Democrático de Direito, toda a cidadania merece ser tratada com respeito seja lá por quem for. As instituições públicas não podem ter por princípio, mesmo que indivíduos a ela vinculados tenham, o preconceito, o racismo, o machismo e a agorafobia.
Depois do fatídico final, a Superintendência da Polícia Rodoviária Federal (PRF), em Sergipe, emitiu uma mera nota (cínica por sinal), descrevendo o ocorrido ao seu jeito e informando que “… foi aberto procedimento disciplinar para averiguar a conduta dos policiais envolvidos”.
Ora, dada a notoriedade dos fatos, da grande repercussão e da robustez de provas, só cabe ao Ministério Público Federal, de imediato, apresentar denúncia crime contra os policiais envolvidos, sustentada na Lei 9.455/97, que, em seu artigo 1º, inciso II, parág. 3º, assim define:
“Art. 1º Constitui crime de tortura:
(…)
II – submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
(…)
§ 3º (…) se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.
(…)
§ 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:
I – se o crime é cometido por agente público”
Portanto a sociedade deveria sair às ruas e clamar pelo imediato afastamento dos policiais, com sua prisão em flagrante e a tramitação célere do processo penal, para a sua exoneração e condenação na pena máxima de 21 anos de em regime fechado, sem direito a fiança, graça ou anistia.
Esses fatos bárbaros só nos causam mais indignação. Nosso repúdio aos policiais e à conduta pífia da Polícia Rodoviária Federal e a nossa solidariedade à família de Genivaldo de Jesus Santos.