Estamos em março de 2022 e, apesar de todos os avanços obtidos nas últimas décadas em direção à igualdade de gênero, quando o assunto envolve mulheres nos espaços de poder ainda não temos o que comemorar. O Brasil encontra-se atualmente na 145ª colocação no ranking de mulheres nos parlamentos. Na América Latina, apenas o Haiti possui menos mulheres parlamentares do que nós. A sub-representação política das mulheres é um problema não só no Brasil, mas no contexto internacional. Os únicos quatro países que já atingiram a paridade de gênero na política, tendo 50% ou mais de mulheres ocupando o poder Legislativo, são: Ruanda, Cuba, Nicarágua e México. O cenário é grave. O que explica a persistente sub-representação política das mulheres no Brasil? No texto, elencamos três motivos: o financiamento desigual de campanhas, a ausência de mulheres nos cargos de liderança dos partidos e a violência política de gênero.
Cotas para candidaturas femininas
As cotas cumpriram um papel importante ao institucionalizarem a demanda de movimentos e ONGs feministas por mais mulheres na política. Organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), desde o início da década de 1990, têm estimulado a adoção desse tipo de ação afirmativa.
No caso brasileiro, as cotas promoveram um aumento da porcentagem de candidaturas femininas, que, desde 2014, tem estado em torno dos 30% previstos pela lei.
No entanto, este aumento de candidaturas não tem se convertido em um crescimento equivalente de mulheres eleitas, o que demonstra os limites desta política.
Não se trata aqui de questionar a existência da lei de cotas, mas, pelo contrário, de pensar mecanismos que possam fortalecê-la. Por que, mesmo com a adoção das cotas, as mulheres continuam excluídas dos espaços de poder? A sub-representação política das mulheres no Brasil não está relacionada com a suposta falta de interesse deste grupo da população por política.
Pelo contrário, as porcentagens crescentes de mulheres filiadas a partidos políticos e o histórico protagonismo feminino nos movimentos sociais demonstram o contrário. A sub-representação feminina não é responsabilidade das mulheres, mas fruto do machismo estrutural que cria obstáculos para o ingresso nos cargos de poder. Destaco a seguir três destes obstáculos.
O primeiro deles é o financiamento eleitoral e partidário. As mulheres, especialmente as negras, recebem proporcionalmente menos dinheiro dos partidos e do fundo eleitoral para promoverem suas candidaturas do que os candidatos homens. Recursos financeiros e simbólicos são fundamentais para que as candidaturas femininas tenham visibilidade e viabilidade. Sem o apoio institucional dos partidos, é difícil que as mulheres obtenham sucesso eleitoral.
O segundo obstáculo está na ausência de mulheres nos cargos de liderança dentro dos partidos. Os líderes são aqueles que tomam as decisões sobre para onde e para quem irão os recursos partidários. Por isso, é importante que, mais do que criar secretarias da Mulher, os partidos se comprometam internamente com a distribuição igualitária de poder.
Alguns partidos como PSB, PT e Psol, por exemplo, contam com políticas internas de cotas para mulheres nos cargos de liderança, o que pode ser um caminho para diminuir a desigualdade de gênero intrapartidária. O terceiro obstáculo está no que temos conceituado como violência política. Por que, mesmo com a adoção das cotas, as mulheres continuam excluídas dos espaços de poder?
Gênero, fenômeno que pode se expressar de diferentes modos, sendo o mais conhecido a vio – lência física. Cito como exemplo o assédio sexual sofrido pela deputada estadual de São Paulo, Isa Penna, no final do ano passado. A deputada teve seus seios apalpados, sem consentimento, pelo também deputado Fernando Cury, durante uma sessão do plenário.
Outro exemplo, o caso mais emblemático de violência política de gênero dos últimos anos, foi o feminicídio político, no ano de 2018, da vereadora eleita pela cidade do Rio de Janeiro, Marielle Franco. Além da violência física, há formas menos reconhecidas da violência política de gênero. Entre elas estão a violência psicológica, que pode se expressar através de interrupções de falas, cortes de microfone, deslegitimação, apropriação de ideias e constrangimento. Já a violência patrimonial inclui a desigualdade de recursos financeiros entre homens e mulheres.
Diante dos obstáculos aqui elencados (o financiamento desigual de campanhas entre candidatas e candidatos, a ausência de mulheres nos cargos de liderança dentro dos partidos e as várias expressões da violência política de gênero), podemos compreender os motivos da sub-representação política das mulheres e, a partir desta compreensão, construir alternativas para que este cenário de exclusão, tão prejudicial para a nossa democracia, seja alterado.
Os líderes são aqueles que tomam as decisões sobre para onde e para quem irão os recursos partidários. Por isso, é importante que, mais do que criar secretarias da Mulher, os partidos se comprometam internamente com a distribuição igualitária de poder.