Para alguém que entra numa câmara legislativa, o Brasil nem parece o que de fato é: um país complexo, composto de uma ampla população de diferentes etnias. A representatividade de indígenas, negros e mulheres no poder é bastante reduzida. A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) e a Câmara de Vereadores da capital paulista são um bom retrato desse quadro – mesmo que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população de negros e indígenas no Estado seja de 37% do total.
O pesquisador Osmar Teixeira Gaspar realizou um estudo na Faculdade de Direito (FD) da USP, em que buscou entender mais a fundo as causas desse porcentual tão baixo, especialmente dos negros, nas casas legislativas. Os resultados estão em sua tese de doutorado Direitos Políticos e Representatividade da população negra na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e Câmara Municipal de São Paulo, realizada sob orientação do professor Kabengele Munanga, do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “Queria entender a razão da baixa participação de negros nos ciclos de poder do Brasil, não somente no Legislativo, mas também no Executivo e no Judiciário. Em função das limitações impostas tivemos que focar na Alesp e na Câmara Municipal”, conta Gaspar.
.Entre as diversas razões que dificultam a entrada de negros e negras nesses espaços de poder, o pesquisador destaca a forma como os partidos políticos lançam essas candidaturas e sua amplitude. “O que acontece é que os partidos lançam candidatos negros com votos somente em determinada região, geralmente onde ele habita e tem sua vida. Seus votos não são nem perto de suficientes para elegê-los, mas aumentam o coeficiente eleitoral do partido, que assim elege outras figuras, mais tradicionais.”
Sua crítica à postura dos partidos é ainda mais contundente ao explicar que enviou um formulário para grande parte dos partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) enquanto elaborava a tese e, independentemente da ideologia, nenhuma agremiação o respondeu. Ao procurar negros e negras presentes na Alesp e na Câmara dos Deputados, não conseguiu retorno de um único nome, à exceção de uma deputada, mas somente após o encerramento da pesquisa. Gaspar entende que as burocracias partidárias não queriam responder sobre o tema justamente por não possuírem políticas efetivas para eleger negros.
Além disso, o pesquisador aponta que a própria ausência de negros nessas casas acaba sendo naturalizada. Nesse processo, muitas decisões que são caras à população são tomadas sem que um representante do seu grupo social esteja envolvido na elaboração e discussão da ideia, o que Gaspar considera muito preocupante. “Muitas propostas são aprovadas sem um negro na discussão, e estas impactam diretamente na vida de milhões de negros e negras.”
Segundo ele, isso ocorre porque os atuais grupos dominantes desejam manter a situação como está para não perderem privilégios. Ele entende que a democracia brasileira “é ardilosamente operada em várias frentes para desestimular e manter os negros longe da estrutura de poder, por meio da realimentação de mecanismos de exclusão social que cooperam para as suas derrotas consecutivas ao Legislativo”.
Para fazer frente a esse sério problema, o pesquisador defende ser fundamental a movimentação de toda a sociedade civil. “Não é somente tarefa do negro enfrentar o racismo no Brasil, mas da sociedade como um todo. A ausência de negros para tomarem decisões que envolvam seus pares é um ato gravíssimo, uma violência coletiva. Não podemos reduzir a população negra a uma simples camada de eleitores dos mais ricos e brancos.”
A tese defende que uma das soluções viria por meio da criação de cotas dentro das casas legislativas para parlamentares negras e negros. Segundo o texto, não basta a garantia de que a população negra tenha a sua participação em pleitos garantida, mas também a efetiva participação no processo de decisão nas câmaras e assembleias, como também em outras instâncias institucionais.
“Não queremos que a população negra simplesmente possa competir para um cargo legislativo. Queremos que ela possa efetivamente exercer o poder de influenciar nas decisões dentro desses colegiados e em todas as instâncias do poder, porque não é somente no Legislativo que os negros são preteridos em função das classes dominantes, mas também no Judiciário e no Executivo. É preciso mudar essa cultura de cima para baixo”, conclui.