Por Deputada Estadual Cristina Almeida
Em mais uma edição do Dia Nacional da Consciência Negra, em que são avaliados os desdobramentos da luta renitente contra o racismo e a exclusão de Negros e Negras, é possível constatar até num ano atípico e absolutamente inusitado e imprevisível, por conta da pandemia da Covid-19, as agruras e desventuras do povo negro não arrefecem, pelo contrário, se avolumam e, infelizmente, a contabilização dos mortos vitimados pelo novo coronavírus apontam que a maioria dos óbitos fazem parte da população negra. Assim, o que dizer do 20 de novembro de 2020 e suas perspectivas para o tempo adiante?
Decorridas cerca de cinco décadas desde que as ramificações do movimento negro no Rio Grande do Sul passaram a questionar com mais veemência o real significado e a dimensão do feriado de 13 de maio, data de assinatura da Lei Áurea, como marco comemorativo da abolição da escravidão no Brasil, a gênese do Dia Nacional da Consciência germinou uma semente de potencialização da luta pela liberdade, de combate ao racismo e todas as formas de discriminação, preconceito e exclusão e de valorização da liberdade e de ampliação do horizonte de possibilidades para a inclusão e afirmação dos Negros do Brasil pela tão sonha cidadania.
Às vésperas de completar meio século de existência, a história do 20 de novembro transcendeu de forma significativa o status de data de morte do herói Negro e líder quilombola Zumbi dos Palmares. Sob todos os aspectos, a data em si trouxe um leque de alternativas para o combate ao racismo ao mesmo tempo que abriu caminhos para que o movimento negro brasileiro pudesse colocar em debate outros aspectos que permeiam o dia a dia das populações afrodescendentes do país que indiscutível e indubitavelmente é o mais miscigenado e culturalmente diversificado do planeta.
O que foi uma célula de resistência que propôs a rediscussão das estratégias de combate ao crime mais hediondo do mundo e que emergiu em pleno epicentro do autoritarismo do regime militar, frutificou e teve a ousadia de se impor no ápice do terror dos “anos de chumbo” do governo do ditador Garrastazu Médici, de o longe mais assassino e repressor da ditadura militar imposta pela “quartelada” de 31 de março de 1964.
Nesse contexto turvo e turbulento, o 20 de novembro construiu sua cronologia singular, com avanços, recuos, rupturas, permanências. Mas felizmente avançou em meio a tantos obstáculos que curiosamente não diminuíram após a redemocratização do país. Ainda hoje, o 20 de novembro segue se afirmando tendo ao seu redor ideias e atitudes oriundas de segmentos ultraconservadores e neofascistas que tentam a todo custo intimidar, reprimir e até esmo extirpar – ou expurgar por meio do derramamento de sangue – sua trajetória e seus ativistas.
Até ser instituído oficialmente pela Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, no governo de Dilma Rousseff, quatro décadas depois de sua emergência durante o regime militar, embora tenha sido incluído no calendário escolar oito aos antes, o Dia da Consciência Negra teve antessalas transpostas no caminho de sua oficialização, entre elas a Lei de Preconceito de Raça ou Cor (nº 7.716) de 5 de janeiro de 1989 e leis como a de cotas raciais; e, a Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira.
A evolução histórica da data se deu – e se dá – sempre em meio a um turbilhão de acontecimentos que testam sua resiliência na medida em que episódios de violência contra Negros e Negras explodem pelo mundo demonstrando que o racismo se mantém onipresente em todos os centímetros quadrados do planeta na medida em que não atinge somente a etnia negra. Mais do que nunca, “VIDAS NEGRAS IMPORTAM” e os diferentes setores da sociedade – e não somente o esporte e a música – demonstram o quanto todos os Negros e Negras são importantes e indispensáveis. Somos fundamentais.
Apenas lamento que dias antes desta data tão emblemática para o povo negro do qual orgulhosamente faço parte, eu tenha novamente enfrentado outro episódio de racismo num momento em que minha condição de parlamentar com mandato, tratava dos perigos que a falta de energia elétrica vem representando para a população do meu estado. Tomadas as devidas providências, é possível constatar que o terreno em que caminha a Consciência Negra é acidentado e íngreme, e que estamos apenas no começo da escalada, apesar de estarmos nela há cinco décadas – na verdade, cinco séculos. Apesar dos solavancos, somos resistentes e seguimos adiante. Nossa luta é incansável e nosso orgulho é perene.
Viva Zumbi! Viva Dandara! Viva Todos Nós!